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Os desafios do ESG

A instabilidade atual está a levar as empresas a optarem por medidas de efeito imediato, descurando opções mais estruturantes. Mas esta é uma realidade que não pode ser adiada. Mesmo porque implica uma avaliação de toda a cadeia de valor.




Há cada vez mais empresas a anunciarem estratégias de ESG (ambiental, social, governação, na sigla em inglês). Mas será que é assim tão simples? E será que estão a abordar a questão da forma mais correta? Carlos Freire, CEO na Aon Portugal, considera que o aumento da volatilidade e da incerteza a que as empresas estão hoje sujeitas deixam evidente a inadequação e a falta de preparação para uma abordagem holística de gestão de risco, mostrando uma subvalorização do risco climático. E alerta que a visão de compliance com os critérios de ESG vai muito além da componente regulatória ou reputacional das empresas, sendo fundamental e urgente para todas as empresas.


Quanto às dificuldades sentidas pelas empresas aquando da implementação de uma estratégia ESG, a opinião de Cláudia Coelho, "sustainability and climate change partner" na PwC, é que estas estão relacionadas com o conhecimento e com o acesso à informação, aspetos chave para a realização de um diagnóstico. Ou seja, "as empresas devem começar por compreender muito bem quais são os riscos e as oportunidades associadas à sustentabilidade e depois precisam de ter capacidade e acesso à informação que lhes permita compreender o seu estado de maturidade relativamente à forma como estão a gerir estes temas". Só depois disso, na opinião da executiva da PwC, é que as empresas têm efetivamente capacidade para poder compreender de que forma poderão criar valor a partir da sustentabilidade, que é o objetivo da estratégia de ESG.


"Em termos de reporte, seria importante assegurar regras e metodologias comuns no mercado único."

Sara Miranda Diretora de Responsabilidade Corporativa da Jerónimo Martins


O caso específico da Jerónimo Martins, como lembra Sara Miranda, diretora de Comunicação e Responsabilidade Corporativas do Grupo Jerónimo Martins, tem "a particularidade de ser essencialmente alimentar e, por isso, especialmente dependente do clima, da natureza e da biodiversidade", acrescentando que os desafios da sustentabilidade são bastante complexos e exigentes para as organizações, pela sua natureza sistémica e as múltiplas interdependências que os caracterizam, que é preciso conhecer e sobre as quais urge atuar. Face a isto, a executiva considera que o principal risco é falhar na leitura dessas interdependências, não compreender a necessidade de mobilizar esforços de múltiplos agentes e gerir a sustentabilidade de forma compartimentada e superficial, mesmo que bem-intencionada. E dá o exemplo da reflorestação. "Plantar florestas é benéfico se depois elas forem bem geridas e acompanhadas no médio e longo prazo".


Abarcar toda a cadeia de valor


Quando falamos de estratégia ESG é necessário compreender que isso se aplica a toda a cadeia de valor e que, por isso mesmo, nenhuma empresa está isolada. Trabalhar em conjunto por forma a que todos cumpram as boas práticas. "Em termos de reporte, seria importante assegurar regras e metodologias comuns no mercado único (o desperdício alimentar, por exemplo, é calculado de formas diferentes nos países da União Europeia) e garantir aos agentes económicos uma maior previsibilidade sobre o que serão as orientações e as grandes decisões políticas para facilitar a definição e adaptação dos planos de desenvolvimento e de investimento das empresas. Não menos importante, há que incentivar a alteração de comportamentos, nomeadamente através de partilha de informação e campanhas de sensibilização para que os consumidores façam as suas escolhas de forma mais informada", acrescenta Sara Miranda.


"O maior risco é não empreender este caminho", aponta Cristina Amorim, "board member"/CFO da Corticeira Amorim, que acrescenta que o seguimento continuo do processo é essencial: a implementação das ações e respetivo impacto tem de ser monitorizada, medida e recalibrada sempre que se mostre necessário/adequado. "A implementação de práticas robustas em matérias ESG permite às empresas conhecerem e tomarem medidas para ultrapassarem tanto as vulnerabilidades internas como as incertezas de mercado, reduzindo riscos e aumentando oportunidades", conclui.


Já Cláudia Coelho considera que os principais riscos são os relacionados com as alterações climáticas e com a cadeia de fornecedores e com os impactos destes temas na oferta de produtos e posicionamento no mercado. E lembra que, consciente destes riscos, a União Europeia publicou e tem em preparação diversa regulamentação que visa definir requisitos de relato sobre estes temas, promovendo assim uma análise e gestão destes riscos nas organizações de todos os setores, incluindo no caso das entidades do setor financeiro. A especialista aponta ainda que, no caso dos riscos associados às alterações climáticas, existem já referenciais específicos para o "disclosure" desta informação, como é o caso das recomendações da TCFD - Task Force on Climate-Related Financial Disclosures, criada pelo Financial Stability Board (FSB), as quais foram vertidas nos requisitos de relato corporativo de sustentabilidade definidos na nova Diretiva CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive). Considerando que este é um tema relevante para todas as empresas, já que dificilmente uma empresa poderá não ser impactada, direta ou indiretamente (através da sua cadeia de valor), estes novos requisitos de relato consideram que a informação sobre alterações climáticas é mandatária. "Por outro lado, é de destacar a proposta de Diretiva de Due Diligence em matérias de direitos humanos e ambientais, que implica, para as empresas abrangidas, a necessidade de realização de avaliações dos riscos relacionados com a cadeia de valor", acrescenta, referindo ainda que há que considerar o posicionamento da empresa. Ou seja, "refletir sobre até que ponto os produtos e serviços oferecidos estão em linha com os objetivos ambientais e sociais, procurando desenvolver as oportunidades associadas à transição para uma economia mais sustentável. Ao fazê-lo, a empresa tem de estar atenta aos riscos de ‘greenwashing’, garantindo que a informação que divulga sobre a sua atividade (por exemplo nos relatórios de sustentabilidade) ou sobre os seus produtos é correta e transparente, evitando a omissão de informação que possa resultar em riscos de ‘greenwashing’".


Carlos Freire, por seu lado, defende que, se os riscos económicos predominaram entre 2009 e 2010, hoje dominam os impactos crescentes dos riscos ambientais e sociais, sobretudo desde 2017. Sendo que "esses riscos se tornaram não só mais comuns, como mais significativos, dada a dimensão dos danos que podem causar". E realça que nos últimos anos as questões ambientais e sociais passaram a ser consideradas essenciais nas análises de risco e nas decisões de investimento.


No entanto, o CEO na Aon Portugal alerta para o facto de haver riscos subvalorizados, com os mais importantes a estarem associados às alterações climáticas e ao ESG. Segundo o executivo, e de acordo com o Global Risk Management Survey da Aon, os riscos de longa duração tornaram-se no foco principal do cenário de risco, e será também com uma visão a longo prazo que as empresas terão de se posicionar perante a conjugação de ameaças que irão potencialmente impactar os seus negócios. O relatório demonstra que o risco ambiental (18.ª posição), os desastres naturais (22.ª posição), as alterações climáticas (23.ª posição) e as estratégias do risco de ESG e CSR (31.ª posição) continuam ainda a vigorar em posições de pouco destaque no "ranking" dos principais riscos. "Considero que o risco climático, o paradigma ESG e a falha nas cadeias de abastecimento e distribuição são temas que, certamente, irão marcar o futuro das empresas e ditar aquelas que inovam e acompanham a evolução do mercado e as que ficam pelo caminho", constata.


O adiar de medidas estruturantes


É certo que hoje, lembra Cláudia Coelho, há uma pressão relevante para que as empresas assumam metas concretas e ambiciosas, alinhadas com compromissos internacionais em áreas como as alterações climáticas (mediante, por exemplo, compromissos em linha com os objetivos do Acordo de Paris, reconhecidos por iniciativas externas como a Science Based Targets Initiative). No entanto, a especialista da PwC aponta que algumas empresas têm dificuldade em compreender o que é que implica efetivamente o estabelecimento destas metas, que são necessariamente uma transformação muito grande nas empresas e que implicam medidas estruturantes.


Uma opinião partilhada por Carlos Freire, que aponta os atuais níveis de incerteza como motivo para as empresas adotarem medidas de efeito imediato. "Mas no médio prazo esta medida tem de ser estruturante, isto é, analisar e definir um plano de forma a executar as medidas mais adequadas de mitigação do risco. Veja-se o caso da área da energia, na qual as empresas têm de ter planos de transição energética bastante fortes" afirma.


A isto Cláudia Coelho acrescenta que, no geral, o que se verifica é que as empresas desenvolvem os seus planos de ação para o curto prazo com ações mais simples, mas que começam a dar uma perspetiva de medidas mais estruturantes no médio prazo, em linha com os planos nacionais e europeus com metas para 2030 e 2050.


"Na comparação com os restantes países europeus não estamos particularmente avançados."

Cláudia Coelho Sustainability and climate change partner na Pwc


A Jerónimo Martins é uma das exceções. O grupo definiu a sua estratégia há mais de uma década, sendo esta transversal a todas as empresas, nos três países em que está presente. Uma estratégia que, revela Sara Miranda, organiza-se em torno de cinco pilares de atuação: Promover a Saúde pela Alimentação, Respeitar o Ambiente, Comprar com Responsabilidade, Apoiar as Comunidades Envolventes, e Ser um Empregador de Referência. Para cada um foram definidos objetivos concretos, com métricas bem definidas, que são na sua grande maioria verificados por uma entidade externa e que definem a atuação das empresas. "A inclusão do Grupo Jerónimo Martins em mais de 120 índices internacionais de sustentabilidade e o reconhecimento da nossa liderança a nível mundial no setor do retalho alimentar pelo CDP - Disclosure Insight Action atestam o carácter estruturante da forma como gerimos os desafios da sustentabilidade", indica Sara Miranda.


A parte importante, pelo menos no que concerne à Corticeira Amorim, é que o impacto do atual contexto de uma inflação elevada não tem condicionado particularmente o plano de investimento da Corticeira Amorim. A empresa tem feito vários investimentos - no ano passado o valor em ativo fixo ascendeu a 77 milhões de euros, esperando-se que este valor aumente em 2023 - sendo que, segundo Cristina Amorim, alguns destes investimentos pretendem também contrariar os efeitos da escalada de preços de alguns "inputs", como é o caso da implementação de painéis fotovoltaicos que, além dos benefícios ambientais, proporcionará uma menor sujeição da empresa às variações do preço da energia elétrica. Aliás, a executiva considera que é precisamente em tempos como os que atravessamos que "constatamos o imperativo que é investir - em conhecimento, formação, tecnologia, processos e produtos - para se manter relevante, operacional, rentável e sustentável".


Ainda há muito por fazer. Embora, reconheça Cláudia Coelho, quando comparamos a situação atual com o que se passava há dois ou três anos, é visível um aumento muito significativo da compreensão da relevância do tema por um conjunto de empresas que vai muito além das grandes empresas que tradicionalmente trabalhavam o tema. Evolução que está relacionada "com a pressão de clientes e de investidores/financiadores". Então e em que ponto está Portugal? A resposta de Cláudia Coelho é imediata: "Na comparação com os restantes países europeus não estamos particularmente avançados, na parte dos setores, mas temos alguns bons exemplos de empresas que têm um excelente desempenho e que efetivamente conseguem ser uma referência a nível internacional."



|Fonte: Jornal de Notícias, 26 de abril 2023

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