top of page

"Comer bem não tem de ser mais caro": veja como comer bem em tempos de inflação

Os preços dos alimentos escalaram, levando governos a agir e as populações a pensar onde cortar. Porém, há muitos erros feitos na alimentação portuguesa que poderiam evitar desperdício, não só alimentar, como de dinheiro. O Expresso falou com a secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutricionistas (APN) para saber que erros evitar e como poupar na hora de ir ao supermercado

GettyImages-843696046.jpg

A inflação tem sido um motivo de preocupação para os portugueses - e para uma grande fatia do mundo - nos últimos 14 meses, sensivelmente desde que a guerra na Ucrânia começou. Desde então os preços foram subindo e os juros também, o que espoletou uma crise e deixou muitas famílias em dificuldades. Na alimentação não foi diferente: os preços escalaram, levando governos a agir e as populações a pensar onde podem cortar. Porém, há muitos erros feitos na alimentação portuguesa que poderiam evitar desperdício, não só alimentar, como de dinheiro.

No geral, quando os preços sobem muito, tal tende a refletir-se na qualidade da alimentação. Em entrevista ao Expresso, Helena Real, secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutricionistas (APN), explicou que, apesar de ainda não haver dados sobre esta recente crise e subida da inflação, estudos prévios mostraram que “quando há um aumento dos preços ou quando há uma situação de escassez de alimentos, a alimentação acaba a mudar” e as famílias “com mais dificuldades vão ter mais problemas para poderem ter uma alimentação mais adequada”.

Contudo, nem tudo é culpa dos preços e existem erros alimentares cometidos que podem prejudicar não só a nossa carteira, mas a nossa saúde. Por isso, a nutricionista apela por mais informação e mais “literacia alimentar”.

Aliás, quando questionada sobre a melhor forma para manter a alimentação que se tinha com a elevada inflação, Helena acaba mesmo por dizer: “se calhar deveríamos mudar”. “São sempre momentos que nós podemos utilizar e aproveitar para refletir sobre os nossos hábitos e se realmente não forem tão adequados poder aproveitar para os modificar”, declarou.

O QUE FAZER E NÃO FAZER?


1. Uma alimentação com mais vegetais e menos carne

Segundo explicou Helena Real - e tendo por base o último inquérito alimentar que, infelizmente, já está desatualizado por remontar a 2015/16 - “a população [portuguesa] tem um consumo muito elevado de produtos de origem animal e menor de origem vegetal”. Contudo, “se a nossa alimentação for mais de base vegetal, possivelmente é mais económica”.

Adicionalmente, “os dados mostram que realmente as pessoas por vezes comem demais, ou seja, comem em quantidades excessivas e por isso é que depois há determinadas patologias, como obesidade, diabetes, hipertensão que muitas vezes são, ou que essencialmente são associados a erros alimentares e muitas vezes por excesso”.

“Se a nossa alimentação for mais de base vegetal, possivelmente é mais económica”
Helena Real, secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutricionistas

 

2. Focar no essencial

Uma forma que pode ajudar a não cair em tentações é olhar para os alimentos essenciais. Uma boa ajuda pode ser olhar para os alimentos que estão inseridos no cabaz da medida ‘IVA Zero’ implementado pelo Governo para tentar combater a inflação, que se faz sentir mais pronunciadamente nos alimentos.

“Neste cabaz de alimentos essenciais que estão a 0% [o IVA] estão os vários grupos alimentares que nós temos que incluir [na nossa alimentação]”, disse a nutricionista. “As frutas, os produtos hortícolas, as leguminosas, os cereais, os tubérculos, a carne, o pescado, os ovos, os laticínios e as gorduras.”

Contudo, estes alimentos não são os que fornecem “mais açúcar, mais sal, mais gordura”, como os produtos de pastelaria, chocolates, confeitaria, snacks salgados, entre outros, que “podem entrar” na alimentação, “mas nunca num contexto diário”. “Podemos também olhar para isto e ver aqui a possibilidade de mudar a frequência de compra deste tipo de alimentos, porque também são alimentos que são realmente não podemos dizer que são caros porque muitos destes até são produtos bastante acessíveis mas a verdade é que não precisamos deles.”

E porque é que geralmente vamos para estes produtos? Devido ao “contexto emocional”. Contudo, deve-se “olhar sempre para a nossa vida, não do dia de amanhã mas também a médio e longo prazo”.

Mas e aqueles que já só compravam o essencial e têm dificuldades económicas? “Não se pode, ou não se deve, passar forme”, lembrou Helena Real, que tentou apelar a uma reeducação alimentar, por forma a consumir-se “apenas o que é fundamental” e para “ter noção de que não precisamos de consumir muita quantidade de alimentos”.

3. Mudar perspetivas

Ter noção de que temos de olhar mais para a saúde e que devemos comer menos já são duas mudanças de perspectivas que podem ajudar. Mas há mais, nomeadamente, nos alimentos a cortar (ou não cortar) quando estamos em crise. O lado emocional vem sempre ao de cima na hora de cortar alimentos e, por vezes, deixamos de lado “os produtos hortícolas, as frutas, o pescado que de facto são alimentos que potencialmente são protetores relativamente ao risco de desenvolvimento de doenças”. Por esse motivo é importante não deixá-los de lado.

E no caso do peixe há uma “perceção na sociedade” de que é mais caro do que a carne, quando, segundo a nutricionista, não é. “Temos de ver que tipo de peixe é que as pessoas estão habituadas a comer ou gostam mais de comer. Se nós estivermos a falar de uma dourada ou de um robalo tem um preço, se nós estivermos a falar de uma cavala, por exemplo, tem um preço muito mais baixo. E a cavala até é dos peixes que têm um perfil nutricional mais interessante.”

“[As pessoas] não se permitem a olhar para o ponto de venda e a ver a diversidade que o ponto de venda nos oferece”, continuou.

Apesar de estarmos “numa fase em que nos focamos muito no preço”, a nutricionista considera que é importante olhar para a “componente nutricional”, e olhar para a saúde. “Se nós olharmos só para o preço, podemos chegar a um ponto em que estamos a comprar alimentos que possam ser desadequados do ponto de vista nutricional e que isso se vai repercutir em custos em saúde mais à frente, a médio ou a longo prazo”.

ENTÃO, COMO POUPAR?


1. Planeamento e gestão…

Helena Real sublinhou, por várias vezes, a necessidade de se fazer um planeamento e gestão da despensa e da lista de compras - uma dica dada por muitos especialistas em finanças pessoais para poupar. “A poulação está pouco habituada a planear”, notou, acrescentando que, ao não se fazer uma lista de compras chega-se ao ponto de venda e pode-se comprar o que não se precisa ou até mesmo coisas que já se tinha em casa.

“E hoje em dia é super fácil fazer isto em qualquer smartphone, nem precisamos estar com a lista tradicional de apontar num papel”, lembrou.

E muito importante: “envolver toda a família”. “Na realidade muitas vezes estes papéis ficam muito associados a uma única pessoa do agregado familiar e é importante que realmente todos estejam envolvidos nestas tarefas.”

“As estimativas apontam para que nós desperdicemos cerca de um terço dos alimentos que compramos (…) este um terço custou dinheiro”
Helena Real


2. …para evitar desperdício

Planear e gerir a despensa, o frigorífico e o momento da compra “é fundamental pois muitas vezes deitamos fora coisas que ficaram fora da validade ou que se deterioraram e que custaram dinheiro”.

De acordo com a especialista, “as estimativas apontam para que nós desperdicemos cerca de um terço dos alimentos que compramos e que preparamos e que depois acabamos por não consumir e deitamos ao lixo”. “Este um terço de tudo aquilo que nós compramos custou dinheiro”, mas não é só dinheiro que está em causa, é também o meio ambiente que pode ser ajudado com uma redução do desperdício alimentar.

3. Comprar o essencial

Voltando um pouco acima, uma forma de poupança pode ser ter em conta os alimentos essenciais, nomeadamente os do cabaz do ‘IVA Zero’. Caso compremos produtos não essenciais, como alguns já previamente referidos, acabamos por ter “um custo acessório”.

Além do mais, a escolha de alimentos mais adequados ou, pelo menos, a redução dos produtos mais desadequados pode ajudar a reduzir “o risco da doença” o que “também nos poderá fazer poupar dinheiro a médio e longo prazo porque nos protege para o desenvolvimento de determinadas doenças que depois nos obriga a gastar mais dinheiro”.

 

4. Ver o preço ao quilograma

Outra estratégia que a nutricionista nos apresenta - e também muito referida por especialistas em finanças pessoais - é a comparação do preço por quilograma (kg) e não o preço por unidade. “Esta dica é fundamental porque muitas vezes as pessoas comparam preço final da etiqueta de produto e não olham muitas vezes para pormenores como qual tinha mais quantidade dentro da embalagem.”

“E às vezes quando estamos a comprar mais permite-nos chegar a casa, dividir as porções, usar apenas aquilo que nós precisamos, congelar ou manter congelado o resto e pronto.”

 

5. Comprar fresco e a granel

Helena Real relembrou que a compra de alimentos frescos e a granel valerá sempre (ou quase sempre) a pena pois “qualquer produto que tenha sofrido aqui alguma transformação no fundo vai ser mais caro” porque há gastos de energia, recursos, o plástico ou papel da embalagem, mão de obra associada - “tudo isso torna o alimento mais caro”.

“Depois, sempre que possível, comprar a granel. Se nós formos à peixaria ou se formos ao talho, o produto vai ser sempre mais barato por kg”, disse, dando como exemplo as leguminosas secas: “se nós comprarmos leguminosas secas a granel, depois chegamos a casa e temos que as demolhar, mas elas vão aumentar para o dobro ou para o triplo peso”. “Muitas vezes nós vamos comprar leguminosas a granel e dizemos ‘isto é muito mais caro’, mas não é porque na realidade aquele kg de feijão seco vai passar a ser dois kg ou mais de feijão pronto a cozinhar.”

 

6. Nunca fazer compras com fome

A fome e a sede alteram as nossas decisões? Sim, segundo a líder da APN. “Quando temos fome e quando temos sede, nem sempre fazemos as melhores escolhas. Então, se estivermos com fome e com sede quando vamos às compras, a coisa corre mesmo mal, não é?”

Mas o que é que acontece? A fome faz com que tenhamos comportamentos mais ligados às emoções e acabamos por “procurar alguma coisa que nos satisfaça mais, não só do ponto de vista fisiológico, mas também emocional” como produtos com mais açúcar, mais gordura ou mais sal.

E ainda devemos ter em atenção as estratégias de marketing das retalhistas, pois como lembrou Helena Real, os doces, pastilhas e produtos semelhantes não estão na linha de caixas só porque sim, são posicionados de propósito para as pessoas os comprarem por impulso.

 

7. A poupança começa em casa

Apesar de tudo, é em casa que a poupança começa e não só no planeamento, mas também na escolha dos eletrodomésticos e na forma como cozinhamos e preparamos os alimentos.

“Quando chego a casa e vou preparar os alimentos para comer, eu também tenho de ter em consideração gastos, acessórios, como água e energia, pois tudo isso me custa dinheiro”, disse, relembrando que se deve ter em conta a eficiência energética “no momento da seleção dos pequenos e grandes eletrodomésticos”.

Adicionalmente, cozinhar no forno tem um gasto - elevado - e fazer uma caldeirada ou uma jardineira tem outro gasto - mais baixo - notou a especialista.

Se seguir estas dicas pode conseguir poupar um pouco sem prejudicar a alimentação porque, como sublinhou Helena Real, “comer bem não tem que ser mais caro, mas requer planeamento, gestão, saber e tempo para selecionar os alimentos de forma adequada”.

Fonte: Expresso

bottom of page